quinta-feira, 16 de junho de 2016

Pátria amada, BRASIL !

Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getúlio Vargas e exemplo de dignidade cidadã, explica ao ser entrevistado em França (RFI 10/06/16): "de 1930 e 1980, que chamo de nação e desenvolviment, é o momento da revolução capitalista brasileira, com a figura marcante de Getúlio Vargas. Depois, de 1980 até 2014, temos o ciclo democracia e justiça social. Tivemos a transição democrática, que foi alcançada, e a justiça social, que foi modestamente melhorada.(...) A grande tentativa política dos governos Lula-Dilma tinha sido de fazer um pacto político e de classes, desenvolvimentista. Um pacto que juntasse os trabalhadores e a burocracia pública aos empresários industriais, aos empresários produtivos. Foi o que ocorreu na era de Getúlio Vargas(...)

"O capitalismo em qualquer país do mundo é : ou desenvolvimentista, ou liberal. Se for liberal, é um capitalismo dos rentistas e dos financistas, como vimos nos Estados Unidos e na França, a partir de 1980. Nós, com a chegada do Collor à presidência, teremos um ciclo que chamo de liberal-dependente. O governo Fernando Henrique foi neoliberal no plano econômico, mas não no plano social. E agora, neste novo governo que surgiu após este impeachment absolutamente inaceitável, vemos uma tentativa de desmontar o nosso Estado de bem estar social no Brasil.

O que eu vi, depois que saí do governo, é que a guinada do PSDB para a direita era muito forte. Acontecera não só na política econômica, de privatizações e liberalização, como na política externa, dependente dos Estados Unidos e de políticas ortodoxas.

As outras razões foram essencialmente que a direita, a classe capitalista rentista e financista brasileira, resolveu que não queria mais ser governada pelo PT. Eles nunca quiseram – o Brasil entrou em uma crise em 2002, por causa da eleição do Lula. Mas, depois, o Lula tentou de todas as maneiras fazer compromissos e acordos, que eram necessários, e a coisa foi indo. Mas depois a economia começou a derrapar fortemente, em 2012, e a taxa de lucro dos empresários industriais caiu de maneira dramática, para 5% e depois para 4% ao ano, muito abaixo da taxa de juros, nesse momento essa direita se uniu.

Os economistas passaram a fazer uma gritaria a respeito do “pibinho” e a respeito dos erros de política econômica que ela de fato cometeu, vários. Mas, para a surpresa dessa direita, a presidente foi reeleita, e num quadro muito curioso: nunca vi um presidente ser reeleito no Brasil sem nenhum apoio das classes dirigentes. Até no caso do Lula, havia algum apoio. Dessa vez, não havia nada, de forma que, em seguida, os derrotados imediatamente começaram a pedir o impeachment."(...)

Revendo o período em que o Brasil sofreu um golpe que durou 21 anos, as forças democráticas se aproximaram para encontrar solução. Para que o Brasil saisse da alternância de governos oligarcas e entrasse em um ciclo democrático com participação popular efetiva nas medidas governamentais, foi lançado um partido diretamente ligado aos trabalhadores sem a tutela ideológica explícita da esquerda tradicional. Não se propunha o socialismo e acreditava-se na aliança entre as classes com a superação do seu natural antagonismo.

Os programas políticos do PT, que começaram a ser debatidos em 1978, atraindo diferentes grupos que se opunham à ditadura militar, teve o mérito de criar um foco de ação parlamentar e institucional nos anos 80, para as mais diversas tendências que lutavam contra a opressão no país e pela abertura de caminhos a nível da participação política dos cidadãos em movimentos sociais, organizações sindicais e junto aos poderes locais.

Antecedentes históricos

A sociedade brasileira onde muitos exemplos de lutas populares ocorreram desde a fase colonial, era dominada pela letargia imposta por governantes vinculados às oligarquias que tinham o controle econômico, institucional e cultural, dispondo de um Estado criado segundo o modelo europeu, submisso às pressões comerciais e políticas exercidas por poderes extrangeiros.

Os exemplos heróicos de luta por uma pátria independente foram alvo de feroz repressão deixando gravadas com sangue na história do Brasil o grito de protesto contra a miséria em que viviam os trabalhadores e suas famílias, escravizados pelas famílias oligárquicas que tinham acesso aos benefícios sociais que asseguravam à elite a perpetuação no domínio da nação. As idéias libertárias eram também assumidas por elementos dessa camada privilegiada que entravam em contato com os movimentos independentistas, humanistas e das nascentes idéias democráticas que abalavam a Europa e penetravam nas novas colônias criadas na América do Norte e nas mais antigas, povoadas por ibéricos, no centro e no sul, do continente americano.

Assim, no início do século XX, chegaram os reflexos das formações partidárias e dos debates ideológicos acerca dos eventos históricos que sacudiram a Europa, como a Revolução Russa e o desenvolvimento industrial nos Estados Unidos que conferia àquela nação a liderança do sistema capitalista implantado em todo o mundo sob a ação colonizadora da Europa.

Importação de idéias e criação de movimentos nacionais

O Brasil refletia nos seus debates políticos as experiências transmitidas por outras realidades nacionais que procurava adaptar às suas condições. Surgiam movimentos comunistas e anarquistas que se confrontavam com a polícia repressora de uma sociedade predominante agrária sob o domínio da cultura religiosa implantada desde o início colonial, governos fracos que aceitavam a ação dos Estados Unidos em substituição ao poder da Inglaterra que criara as empresas básicas de energia elétrica e gás, e proibiam a localização de petróleo e outros minérios em todo o território nacional. A dependência era visível, apenas mudara o dono mais moderno que comandava fora da Europa a revolução industrial.

É o momento que Bresser-Pereira chama de "revolução capitalista" que traz um modelo moderno de organização econômica e social a abrir caminho para a integração dos trabalhadores no que se considera a "sociedade civil" com acesso às instituições do Estado. A criação de uma produção industrial, no entanto modesta, não absorvia cerca de dois terços da totalidade do povo trabalhador, que até aos anos 70, vivia como podia à margem de qualquer condição oferecida pelo Estado. Até 1958 o número de eleitores era de apenas 15 milhões, pois eram impedidos os analfabetos.

Quando nasce o PT em 1978,  apenas os antigos partidos da classe média que se identificavam com o pensamento democrático burguês atuavam institucionalmente através do MDB em oposição à ARENA onde se reuniam as forças de direita. Partidos Comunistas e demais tendências de esquerda sobreviviam na ilegalidade sob forte perseguição policial com muita tortura e assassinatos.

As tendências formadas em função das posições teóricas que se confrontavam na União Soviética ou em paises onde os partidos comunistas eram legalizados, reproduziam-se no Brasil dividindo a esquerda em grupos dentro ou fora dos Partidos Comunistas ilegais. Lincoln Secco na "História do PT" (Ateliê Editorial 2011) refere a dificuldade na organização do PT que atraiu militantes com as mais variadas tendências que projetavam as suas idéias relativas às experiências em outras sociedades, e punham em causa os partidos comunistas que também reproduziam orientações vindas de revoluções ou movimentos de libertação estrangeiros.

Na verdade, a chamada "revolução capitalista" que cria o sistema econômico e social ligado à indústria e os serviços burocráticos privados, assim como os do Estado, seguia modelos vindos do exterior. A dinâmica geradora de contradições internas criava um proletariado consciente que ainda era inexpressivo em relação à população trabalhadora no Brasil. A classe empresarial formava-se pelo modelo europeu ou norte-americano. Todos tinham fraco conhecimento e inserção na realidade brasileira, apesar de muito estudarem as teorias e tentarem adaptá-las. Para mais, a economia nacional era dependente do sistema capitalista estruturado nos países desenvolvidos que viveram a evolução histórica da fase colonialista, de controle do comercio internacional e do sistema financeiro, no qual o Brasil participava como cliente.

A esquerda brasileira, dos partidos comunistas ilegalizados, dos grupos dissidentes, somados aos partidos democráticos e às bases da Igreja Católica, que acolhiam os militantes envolvidos na oposição direta á ditadura, mergulharam na realidade do Brasil e entraram em contacto com aqueles dois terço do povo que vivia marginalizado. Nesta área da militância política, com as suas diferentes "tendências" é que surgiu o processo de transformação no conhecimento e na ligação com o Brasil profundo, a "Pátria amada" e a sua gente (que é povo e não podia votar por ser analfabeta), que se aproximou do PT que prometia romper com as tradições de clientelismo da política oligárquica e de submissão ao modelo socio-econômico externo.

Com o fim da ditadura em 1988 fez-se uma nova Constituição que garantiu alguns direitos aos cidadãos - como o de votar - e abriu um caminho jurídico para estabelecer melhores garantias para Governos democráticos aperfeiçoarem as instituições do Estado. Foi um começo para enfrentar os problemas que a história apresenta ao país, ao continente Latino Americano e ao mundo internacional com o qual o Brasil se relaciona. A partir de então os políticos democratas entenderam que deveriam lutar por um governo que desenvolvesse a produção nacional e assumisse a responsabilidade pela economia e a sociedade capaz de melhorar as condições do povo, principalmente dos mais abandonados.

Apesar das várias diferenças teóricas que existiam, o PT sob a liderança de Lula - operário e grande conhecedor da miséria no Brasil, - conseguiu atrair além do povo, também empresários que queriam desenvolver a produção nacional e pessoas que acreditaram que o Brasil poderia ser independente e caminhar democraticamente com o trabalho de todos os brasileiros. A vitória alcançada em 2002 pelo povo marcou uma nova fase na vida nacional. A surpresa e a admiração mundial pela formação de um Governo dirigido por um trabalhador metalúrgico com um programa democrático permitiu que muito fosse realizado com êxito no primeiro mandato.

O peso do eleitorado com a participação de maior parte do povo, assustou os antigos dirigentes que se consideravam democráticos e sempre estiveram no poder controlado pelas oligarquias. O apoio dado pelos empresarios assustou os poderes externos que sempre viram naqueles uma clientela passiva. O historiador Nelson Werneck Sodré, no livro "Quem é o povo no Brasil"(Ed.Civilização Brasileira, 1962) disse que "assim como no campo internacional o imperialismo preferiria conflagar o mundo, com a guerra atômica, a ceder as suas posições, no campo nacional aquelas forças preferem conflagar o País a ver derrotados os seus interesses".

Parecia advinhar o que se tramaria contra o Governo PT ao longo de tres mandatos, durante os quais a oposição representada pelo PSDB, conquistando antigos pretensos democratas e comprando os mais renitentes, minou os trabalhos do Governo utilizando meios inexcrupulosos, mentiras e falsas denúncias, e pressionou para que fosse entregue o controle do sistema econômico a especialistas neo-liberais subordinados ao imperialismo como preço para cederem em algumas formas de apoio para combater a fome de mais de 50 milhões de trabalhadores brasileiros, construir infra-estruturas e moradias para poderem usufruir da condição de cidadãos.

Além de controlar o sistema financeiro no Estado, a direita levou a mídia a crescer como um quarto poder nacional, sempre ao serviço do imperialismo. Aos poucos agravaram os problemas no setor da Previdência Social, da Saúde, da Educação, sob pressão de privados com empresas concorrentes. Aos poucos verificava-se que esta oposição dentro do Estado alimentava ambições pessoais contrárias á solidariedade social que constituia o fundamento da formação do PT.

Em 2014 uniram-se os direitistas e traidores para tentar vencer a candidata Dilma nas eleições e sofreram a maior surpresa de sempre ao ver que 54 milhões de brasileiros, vindos do povo que passou a poder se alimentar e ter seus filhos na escola, e dos lutadores que continuam fiéis ao Brasil que constroem, elegeram a Presidente Dilma na primeira volta. Quase 4 vezes o total de eleitores que havia em 1958! Foi a grandiosa participação da população mais pobre, a que antes ficava fora da vida política nacional liderada pelos militantes de sempre, com as suas diferentes "tendências" mas identificados por um conceito únido de democracia e de pátria.

Volto a utilizar as expressões de Bresser-Pereira na entrevista dada na França, à RFI, dia 10/06/16: "Mas, para a surpresa dessa direita, a presidente foi reeleita, e num quadro muito curioso: nunca vi um presidente ser reeleito no Brasil sem nenhum apoio das classes dirigentes. Até no caso do Lula, havia algum apoio. Dessa vez, não havia nada, de forma que, em seguida, os derrotados imediatamente começaram a pedir o impeachment."

O povo brasileiro viveu um processo revolucionário que o Governo não pode refletir plenamente, para além da implantação de um programa de atendimento democrático no Estado social, por ter sucumbido às alianças "contra natura" com forças reacionárias. A liderança desse povo participante seguirá com a força política que for capaz de gerir as multiplas tendências, teóricas e práticas que povoam a cultura nacional brasileira, mantendo acima o farol que ilumina a "pátria amada" e seu povo.


Zillah Branco
























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