quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O Estado ao nível do seu povo

                                                              


As manifestações de protesto popular surgiam pontualmente um pouco por todo o país, até eclodir um movimento de jovens, com maior força, em junho de 2013 em São Paulo e outras grandes cidades. A mídia tentou tirar proveito liderando um grupo de oposição ao Governo Dilma que foi logo desmascarado como baderneiro com alianças com o crime organizado.


A esquerda mais lúcida agiu prontamente, o que permitiu dar corpo partidário aos protestos conscientes contra falhas do Estado que o próprio Governo ainda não conseguiu superar com o seu equilíbrio de forças coligadas.

O caminho democrático da emancipação nacional no Brasil pode ser estudado historicamente na sua fase mais lenta, mas com a eleição de Lula a velocidade das transformações aumentou devido a dois fatores: a expansão de uma consciência social que se aprofundara durante a repressão ditatorial aflorando e explodindo com a abertura democrática do Governo, e os trabalhos de participação popular que, na esteira dos Governos de Lula e de Dilma, as forças e movimentos de esquerda desenvolveram junto às populações marginalizadas paralelamente às ações progressistas oficiais. 

A meta a ser atingida passava por soluções imediatas de melhoria das condições econômicas e sociais de vida com a organização de trabalhos geridos de forma cooperativa, a formação técnica e profissional, a inserção nas instituições nacionais, a criação de infraestruturas básicas de vida rural, na moderna orientação da educação e, consequentemente, no desenvolvimento da consciência de cidadania.

A rapidez com que surgiu uma nova geração consciente dos seus direitos e da sua força para apoiar os programas enunciados pelo Governo exigindo soluções concretas, ultrapassou em um primeiro momento o ritmo da esquerda coligada. Foi dado um salto qualitativo que todos os autores marxistas explicam ao escreverem sobre a dialética. 

Em Portugal de Abril, durante o brevíssimo governo revolucionário de Vasco Gonçalves (10 meses de nacionalizações e reforma agrária em que se introduziu a estrutura democrática no Estado, a qual a social-democracia comandada por Mário Soares levou anos para destruir) comentava-se sempre a necessidade de entender os fundamentos da dialética para não perder o carro ultrarrápido das transformações mentais da população trabalhadora. "Acorda, camarada, que a dialética está dinamizada e tu ficas no caminho". Alguns ficaram, mas a grande massa trabalhadora e seus líderes voltaram à carga com estrondosas manifestações contra a perversa política imposta agora à Europa pela União Europeia e o FMI.

A adoção do discurso democrático por setores que apoiaram Lula e apoiam Dilma, paira como uma promessa no alto das instituições nacionais. Para que penetre na circulação não bastam novos organogramas e racionalizações administrativas que aparecem transparentes nos sites ministeriais. A interpretação de leis e normas herdadas de um passado elitista deve ser revista à luz da democracia. 

Assim como o combate aos preconceitos que discriminavam os mais pobres e humildes da população melhorou o atendimento direto ao público, é preciso aprofundar o respeito humano para que as informações e orientações dadas pelos funcionários com o apoio das respectivas chefias seja clara, honesta e verdadeira. Nem sempre isto acontece e, para agravar a contradição antidemocrática que o cidadão enfrenta no dia a dia junto a balcões do INSS ou da Saúde, por exemplo, aquele que adquiriu consciência de cidadania é hostilizado, boicotado e sofre represálias quando recorre aos órgãos existentes para corrigir os abusos e incompetências dos serviços públicos.

A consciência dos nossos direitos introduz a liberdade na nossa vida social. A responsabilidade de um Governo democrático é garantir a liberdade aos cidadãos que não estão prejudicando outros. As camadas populares darão o seu apoio à democratização das instituições nacionais informando sobre as eventuais falhas que persistem. Comissões de trabalhadores sindicalizados e de moradores serão os que zelam pela democratização a nível local para manter uma sintonia entre os programas elaborados em cima e os produtos apresentados na base como resposta à reivindicação do cidadão.

As questões relativas ao transporte despoletaram mais depressa esta necessidade de ação coletiva porque não existe uma instituição que canalize respostas pessoais. O produto é entregue à população inteira todos os dias. O mesmo ocorre com a recolha do lixo, manutenção de ruas e calçadas ou estradas, a segurança pública, o controle das enchentes, etc.

A consciência popular impõe a existência de um Estado com um nível compatível com o da sua liberdade de pensamento e de expressão. Já não há medos de punições arbitrárias, não são mais admitidas as formulas de desprezo e humilhação com que o cidadão discriminado era tratado. As incongruências e falsidades que frequentemente emperravam (e emperram hoje) os processos atrás das cortinas burocráticas nos serviços públicos têm de ser discutidas e resolvidas pelas chefias em curto prazo. As denúncias feitas em nome dos direitos de cidadania não visam pessoas mas sim questões profissionais que barram o fluxo da democracia nos canais do serviço público. Se envolvem pessoas, esta questão será tratada à parte pelo setor judiciário e policial.

As estruturas sindicais, de movimentos sociais e partidárias acompanhando de perto as ocorrências locais que exigem solução superior, estarão mais bem informadas sobre a realidade e poderão agir junto aos níveis superiores da estrutura política. Ao mesmo tempo poderão conduzir os que estão desesperados por se sentirem isolados à condição equilibrada dos que têm consciência e percebem que a sua contribuição constrói o processo de transformação.

Zillah Branco é cientista social, militante comunista, colaboradora do Vermelho e integrante do Conselho do Cebrapaz