sexta-feira, 26 de julho de 2013

A decomposição do poder governamental das nações


 


Destacados economistas, incluindo alguns com Prêmio Nobel, tanto com formação marxista como também conservadora ou social-democrata, têm divulgado as suas análises sobre as crises do sistema capitalista que atingiram de forma dramática os EUA, provocando a recessão de 1929 e se repetiram ao longo do século 20 sacrificando vários países até expandir os seus efeitos devastadores, em função da globalização, ao iniciar o século 21 por todos os continentes.

Por Zillah Branco*, especial para o Vermelho


As causas apontadas têm em comum a classificação de uma crise sistêmica decorrente da financeirização da economia que criou um superpoder do sistema bancário sombra (shadow banking system) que abrange várias empresas financeiras que ficam fora de qualquer regulamentação controlada pelos Bancos Centrais dos respectivos países. 

Grandes bancos, como o Lehman Brothers nos Estados Unidos em 2007, Barclays na Inglaterra, entre 2005 e 2009, com envolvimento de operadores de bancos franceses Société Génerale e Credit Agricole, do alemão Deutsche Bank e do britânico HSBC (segundo reportagem da Financial Times de 18/07/2012) enfrentaram falências, casos de corrupção escandalosa, demissões de executivos de grandes corporações, roubalheiras explícitas e desmoralizadas publicamente, punidos pela justiça ou não. 

Trata-se, como explica Sérgio Barroso, numa série de artigos divulgados pelo Portal Vermelho, "de um processo que alia formas de ganância capitalistas nunca vistas, de braços dados à ideologia do darwinismo social; somados à gestão do Estado e da grande finança inteiramente a serviço do capital sem quaisquer veleidades". Ou seja, a implantação da lei da selva onde vence o mais forte, com a anulação de todas as conquistas da humanidade que a diferenciam do reino animal.

Esta situação de ganância absoluta e desprezo pelo seres humanos, que hoje faz uso das invasões militares e de espionagem para promover conflitos que desestabilizam as sociedades destruindo as estruturas produtivas e as populações civis, como bárbaros modernos ou bandidos vulgares, provocou o surgimento do seu oposto : um caminho de entendimento entre políticos de diferentes tendências ideológicas que ainda exigem os antigos princípios humanos de dignidade, respeito, solidariedade para a sobrevivência das nações. Pelo despertar da consciência do valor da pátria e da cidadania enojaram-se com a podridão em que se afunda o capitalismo responsável hoje pela miséria que se expande e as chacinas de populações pela fome. 

O comportamento submisso de governos manipulados pela "Troika" na Europa e pelo poder militar imperial nas áreas mais pobres do planeta, envergonha os que, independentemente da ideologia que professam, assistem à degradação da história nacional e dos valores patrióticos.

As divergências teóricas (que ainda existem) entre os defensores do sistema capitalista que no entanto condenam a financeirização conduzida pelas empresas que detêm o poder globalizado acima de qualquer regulamentação institucional, nacional e internacional, revelam-se na meta estabelecida para a organização do Estado e de programas de desenvolvimento e distribuição de renda, ou no crescimento econômico centralizado e sob um poder de elite para definir com critérios de rentabilidade os investimentos sociais. Aumento de lucros e esmolas sociais para manter o consumo.

Discutem orçamentos, impostos, salários mínimos e pensões de sobrevivência e a estrutura de um "Estado social", numa vã tentativa de salvar a nação à beira do colapso. Mas, concordam em recorrer ao crédito que os donos do poder financeiro oferecem com juros altíssimos e renunciam a exercerem o dever constitucional de regulamentar as empresas que sobreacumularam, por processos nem sempre lícitos, o dinheiro dos contribuintes. 

Para demonstrarem a sua noção de dignidade e patriotismo, explicam a necessidade moral de aplicar as condições de austeridade (que atinge apenas os que sobrevivem do seu trabalho) traduzida em desemprego, cortes salariais, eliminação das leis laborais, redução das aposentadorias e pensões de sobrevivência, privatização da saúde, da educação e de bancos nacionais, com o sacrifício exclusivo das camadas mais pobres da população e a destruição das empresas familiares de produção. Fora dessas preocupações de "honrar os compromissos com os agiotas" esquecem o dever ético de distribuir a renda nacional de forma equilibrada para assegurar a vida do seu povo e a dignidade de uma nação independente. 

Em Portugal, diante da farsa política a que o presidente deu o título de "salvação nacional" não pode haver acordo entre o governo subserviente à Troika e os partidos de oposição, nem mesmo entre militantes da direita que conservam a noção de respeito pelos seres humanos e de que a riqueza nacional deve ser investida na produção e nas condições de vida do povo para garantir a integridade patriótica e a independência nacional.

O atual dirigente do Partido Socialista (PS), gastou uma semana (que agravou o prejuízo financeiro do país e a credibilidade dos organismos responsáveis pela sua condução política) no falso cenário da "salvação nacional", com os lideres birrentos dos partidos de direita que competem entre si pelo beneplácito da Troika. Velhos socialistas ameaçaram sair do PS acompanhados por uma juventude que entende o socialismo para o crescimento econômico em benefício da população, não da subordinação vergonhosa à "financeirização" dos agiotas. 

Adriano Moreira, antigo líder de direita, denominou o termo "salvação nacional" de "esdrúxulo" nesta situação em que não há acordo possível no entendimento do caminho para evitar a derrocada do país e o fim da democracia. O bom senso começa a criar uma aproximação de antigos adversários.

Traduzindo os textos especializados e acadêmicos da maioria dos analistas políticos a favor ou contra o sistema, qualquer pessoa é capaz de compreender que os governantes devem ser escolhidos pela maioria da população se estiverem decididos e capacitados para organizar o trabalho produtivo que garante emprego para a população ativa, assegurar o funcionamento das escolas, dos serviços de saúde, as pensões para quem já não está em condições de trabalhar. 

E mais, defender a independência das Nações que não serão colônias de nenhum poder externo. Esta é a alternativa patriótica capaz de unir os povos que conservam o bom senso e a responsabilidade pela preservação das condições de vida com qualidade para as gerações futuras.

*Zillah Branco é cientista social, militante comunista e colaboradora do Vermelho

domingo, 21 de julho de 2013

A luta permanente pela democracia



A "crença" no enriquecimento facilitado pelas ofertas de crédito fácil espalhou-se pelo mundo para dividir o histórico proletariado que constitui a força de trabalho necessária para manter a produção das nações independentes. Pescados com a isca dos princípios individualistas lançados pela estratégia da elite exploradora, muitos aceitaram as ofertas de empregos precários, com mais status social e menor esforço físico, seguindo os modelos visuais e mentais de um estrato social que esbanja recursos em inutilidades festivas e drogas destruidoras das condições de ser humano.

Os créditos facilitados para criar uma imagem de ascensão à invejada classe média criaram uma distância social em relação aos antigos colegas de trabalho, e, aos poucos levou-os insensivelmente a copiarem o comportamento e os vícios da velha classe média, que nascera de uma nobreza empobrecida e se fixara junto ao poder do Estado graças à formação intelectual e profissional proporcionada pelas conquistas democráticas mundiais da humanidade.

A mentira hoje campeia no mundo globalizado, difundida pela mídia e a publicidade paga pelo setor financeiro. Os que trocaram as conquistas históricas das leis trabalhistas e dos princípios democráticos próprios dos que permanecem como a força produtiva nacional, e os valores éticos e humanistas da solidariedade que alimentam a consciência de cidadania, aderem insensivelmente ao oportunismo ganancioso e aos preconceitos de superioridade social discriminatórios. Aceitam a "crença" moderna que desorganiza famílias e associações populares onde é cultivada a filosofia humanista da igualdade e fraternidade.

Entraram de cabeça no consumismo de produtos da moda e das mensagens ideológicas que impregnam a cultura de uma classe dominante. Endividaram-se acreditando que o planejamento e a gestão apregoados pela mídia garantiriam uma existência confortável sem as privações que sofreram na infância. Não sabiam que o poder financeiro criara esta ficção como um colchão de ar para se defender das crises do sistema e que lhes lançara uma escada de cordas onde os degraus são "prémios pontuais", corrupção, serviços políticos em troca de votos, promessas e mais promessas.

De um momento para outro, diante da crise, cortam empregos e salários, sobem taxas de crédito e impostos, impõem a austeridade, atiram a classe média na miséria, com o pretexto de salvar a economia nacional como se fosse um ato heróico e patriótico imprescindível. A mentira é moeda corrente para a elite dominante. Desculpada como "segredo de Estado", dá o dito por não dito, cria novas leis, conduz o país a um "regime de exceção" onde tudo fica subordinado aos interesses financeiros dos exploradores. A nova classe média torna-se lumpen sem capacidade de sobreviver como proletários.

Enquanto assistimos a este capítulo da história do sistema capitalista na Europa dominada pela Troika – Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e governos nacionais subordinados – os empresários europeus elogiam, através da sua mídia, a "pujança" da economia brasileira que oferece um enorme mercado consumidor de produtos importados! Dizem eles que são "mais de cem milhões da classe média"! De ficção em ficção, abrem caminho para que as empresas multinacionais produzam em Portugal onde a "austeridade" reduziu os salários e acaba com os direitos trabalhistas, e que no Brasil uma classe média que aluga a sua imagem de consumidora abastada através de créditos bancários vai sustentá-las.

As consequências, regidas pelo imperialismo representado hoje pelos dois parceiros – FMI e União Europeia – apontam o precipício: Portugal, e outros países pobres da Europa, substituem a sua produção, raiz do seu desenvolvimento, pela transformação de produtos estrangeiros, e o Brasil (condicionado ainda pelos interesses do grande capital) compra o supérfluo sem investir nas suas forças produtivas, para girar o dinheiro das altas finanças, destruindo a consciência de classe e de cidadania de pobres trabalhadores vestidos de rico. A democracia no Brasil está a ser construída de baixo para cima com a grande vantagem de poder receber o apoio do Governo eleito e de setores sociais que defendem uma ideologia democrática nacionalista.

Esta realidade, da crise do sistema capitalista, é planetária. Para isto foi destruída a experiência socialista da União Soviética. No entanto, há contradições valiosíssimas para que a luta revolucionária prossiga com êxito: países que resistem mantendo os seus princípios socialistas – China, Cuba, Vietnã, Laos e Coreia do Norte – e todos os países em desenvolvimento que afirmam a sua independência negando submissão aos programas imperiais – além dos Brics, a Venezuela levantada por Hugo Chávez, que abriram caminho para oferecer uma alternativa progressista à catástrofe capitalista. No Brasil foi aberta por Lula uma fase histórica de construção da democracia com a participação popular. Temos assistido nesses 10 anos de ação governativa, segura e corajosa, a resistência férrea a todas as formas de sabotagem interna e pressão externa para impedir a consolidação da democracia por uma oposição que o povo aprendeu a repelir. Este é o caminho fora das "crenças e ilusões" criadas para o imperialismo ver e tirar proveito.

As recentes manifestações populares que denunciam o caótico sistema de transportes públicos herdado dos governos neo-capitalistas, ao perceberem que estavam a ser manipulados pelas forças de direita que contratam redes criminosas para provocar acidentes, destruição e mortes com objetivos eleitorais contra o governo Dilma, contaram com a liderança dos partidos e organizações sociais de esquerda que exigiram rigorosos inquéritos para apurar os mandantes dos atos de violência e uma revisão, pelos poderes institucionais, da criação de um sistema de transporte público gratuito para estudantes e trabalhadores. Note-se que em todo o Brasil os idosos estão isentos de pagamento de transportes municipais, o que ainda não acontece na Europa.

Em todos os países da Europa, com a imposição da austeridade que deflagrou a miséria e ameaça liquidar as conquistas dos direitos no trabalho e da democracia nas instituições dos Estados, crescem as manifestações populares. Os sindicatos viram-se fortalecidos como organização não só da massa trabalhadora, mas também dos desempregados e dos aposentados e pensionistas que formam as suas respectivas associações. Em uma sequência de marchas de protesto contra as medidas ditatoriais da Troika, greves contra o desemprego e a cedência de recursos empresariais a multinacionais, manifestações para reunir toda a população oprimida, surgem novos aderentes vindos de setores antes acomodados na sua condição de classe média estável e até mesmo de igrejas e partidos à direita. Jornalistas da grande mídia filmam e recolhem depoimentos para os seus arquivos que nem sempre são vetados por seus patrões. Os sindicatos da Polícia e as associações de militares, que também fazem manifestações próprias, avisam os governantes que não terão condições de garantir a segurança se as razões de conflito forem insuportáveis.

Por motivos opostos ao dos empresários "exportadores de ilusões", os trabalhadores da Europa acompanham o desenvolvimento das forças democráticas no Brasil e em toda a América Latina. Não cobiçam a situação da nova classe média, consumista e imitadora dos potentados, que hoje aparece como "cem milhões de consumidores" (citado pela TV SIC) mas sim a liberdade democrática que estabeleceu uma relação direta entre todo cidadão que lute por um país melhor e o governo eleito pelo povo.

Reconhecem que esta condição é a única que oferece garantia de que as históricas conquistas dos trabalhadores, como os direitos humanos e a democracia, sejam defendidas incansavelmente. Veem na união entre as nações latino-americanas – Celac, Unasul e Alba – que o objetivo é a solidariedade para que cada uma seja independente e desenvolva com autonomia as suas forças produtivas, não para criar um governo único que comande o poder financeiro, - como a União Europeia casada com o Fundo Monetário Internacional dirigido pelos Estados Unidos da América -  contra os interesses normais dos povos.

A crise capitalista é planetária, mas a unidade entre os povos trabalhadores também o é, além de ser mais antiga e perene como a humanidade.


Zillah Branco (23/06/13)