terça-feira, 16 de abril de 2013

UE e Celac: objetivos opostos no conceito de união e comunidade


Diante da crise que assola, principalmente, os países mais pobres da Europa, impõe-se refletir sobre o caminho de "integração" das nações em vias de desenvolvimento na América Latina e Caribe.



Ao contrário da história passada de todas as nações europeias que se beneficiaram com a colonização do Terceiro Mundo enquanto consolidavam as respectivas independências dos seus Estados e estabeleciam o quadro institucional que servia de suporte para o desenvolvimento da sociedade, a comunidade latino-americana sofreu um enorme atraso mantido pelo poder oligárquico que o sistema colonial deixou como herança e que se subordinou por interesse econômico ao neocapitalismo e ao imperialismo praticados mundialmente tendo os Estados Unidos como ponta de lança.

As reações populares, na sua maioria esmagadas violentamente ao longo da história, criaram uma consciência de cidadania e nacionalismo que, inspiradas na Revolução Cubana que sobreviveu à todos os ataques liderados pelos Estados Unidos, que impôs um bloqueio internacional há mais de 50 anos, foram gerando forças democráticas que impulsionaram movimentos sociais e partidos de esquerda capazes de conduzir os processos eleitorais contra os interesses oligárquicos e as pressões estrangeiras. Na medida em que defendiam os povos afogados na miséria e no atraso social, sugeriam a criação de setores modernos de produção que lançavam as bases do fortalecimento de empresas importantes para o abastecimento interno e exportação, centros de investigação e formação científica e a independência nacional.

Neste contexto, o êxito alcançado por Hugo Chávez na Venezuela, que somou esforços com o sistema revolucionário cubano na abertura de um caminho latino-americano de desenvolvimento, livre das injunções dos Estados Unidos foi um exemplo que repercutiu em todo o continente. Foram criadas estruturas de integração dos interesses nacionais, como a Alba e a Unasul para substituírem a OEA anteriormente criada pelos norte-americanos, com objetivos semelhantes aos da União Europeia, para subordinar os países em luta por sua independência ao poderoso império. Assim surgiu o conceito de "unidade em torno das condições históricas e dos interesses semelhantes de desenvolvimento e independência nacionais".

Depois do ano 2000, através do processo eleitoral e de amplas campanhas democráticas, foram sendo formados governos comprometidos com o desenvolvimento nacional e a libertação dos seus povos da miséria que os atrasa, no Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador, Paraguai, que procuraram apoiar toda a região no caminho do desenvolvimento para enfrentar os mercados internacionais que sempre os tratara como Terceiro Mundo, evitando que pudessem alcançar a integração na comunidade internacional. 

O dirigente José Reinaldo Carvalho, do PCdoB, escreveu no Portal Vermelho: "A Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos) afiança-se como instrumento de diálogo e defesa da identidade, aspirações e culturas regionais, sob os princípios básicos da inclusão dos 33 países independentes da América Latina e Caribe e sem a pretensão de substituir os mecanismos existentes. Dessa maneira, emerge como um dos fatores propulsores de novos equilíbrio de forças no mundo, um ator diferenciado na cena internacional, contraposto aos hegemonismos imperiais, credenciado, portanto, para contribuir para o advento de nova ordem política e econômica mundial. 

A importância histórica dos atuais processos de integração na América Latina se agiganta quando se tem presente que há bem pouco tempo a organização com aparência de multilateralismo que existia na região era a famigerada Organização dos Estados Americanos (OEA), instrumento dócil e serviços aos interesses da grande potência do norte. Observe-se também que a Celac não se contrapõe, antes contempla e incorpora, outras experiências precedentes de integração na região, como a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba) e a União das Nações do Sul (Unasul).

É uma verdadeira revolução institucional de fato, considerando-se que a nova organização reúne, pela primeira vez na história, em um mesmo fórum os 33 países independentes da América Latina e do Caribe, sem os Estados Unidos e o Canadá. A Celac, com a variedade de experiências políticas e de modelos socioeconômicos e um patrimônio histórico-cultural com matriz comum, é a experiência institucional que mais se aproxima do sonho de integração e independência de Martí e Bolívar. O seu advento assinala o dobre de finados do pan-americanismo inseminado pela Doutrina Monroe e desenvolvido com a orientação política que no começo do século 1920 foi batizada de “Corolário Roosevelt”. Por conseguinte, a nova entidade integradora é o marco miliário de um novo pan-americanismo, o da Nossa América, aquele que corresponde à vontade de povos soberanos e abre caminho para a conquista da segunda independência.

Isto assume ainda maior significado, se se tem presente que para além da postura patriótica e a decisão de afirmar a soberania nacional, o bloco se orienta – malgrado inevitáveis diferenciações – pela luta por objetivos de inclusão social, crescimento com igualdade e desenvolvimento sustentável.

Os fenômenos de caráter econômico e político em curso na conjuntura política latino-americana fazem parte das transições do mundo contemporâneo, e guardam relação direta com a busca por novos equilíbrios, pela conquista de novo ordenamento político e econômico, pela justiça, o progresso e a paz."

Superação do neocapitalismo

A imposição do modelo imperial na América Latina levou o continente ao atraso, à fome endêmica da maior parte da sua população, à queda da produção, ao desemprego, ao pagamento de uma dívida externa crescente que sugava todas as fontes de riqueza existentes. A década de 1980 foi considerada "perdida" para os povos latino-americanos e de grandes lucros para as sanguessugas multinacionais, o sistema financeiro e o FMI com toda a corja parceira. 

O aprofundamento da crise estrutural e sistêmica do capitalismo está no centro dos principais problemas e conflitos internacionais, mas o seu preço foi cobrado às populações trabalhadoras, aos idosos e as crianças atirados à miséria.

As classes dominantes reacionárias e suas instituições econômicas e financeiras transnacionais buscaram “soluções” nas velhas medidas que sempre resultaram em retumbante fracasso: diminuição do Estado, contenção salarial e redução do valor das pensões de aposentadoria, desregulamentação financeira, precarização dos serviços públicos com a semifalência do Serviço Nacional de Saúde e do Ensino Público obrigatório, desmantelamento das conquistas dos trabalhadores, circulação livre de capitais, privatização do patrimônio público, socialização das perdas das corporações.

Isto ocorreu na América Latina até que os povos decidiram substituir os governantes subservientes ao modelo imposto por lideranças comprometidas com as forças sociais que lutavam contra o domínio oligárquico e pelo desenvolvimento com independência nacional. Hoje é o que está ocorrendo na Europa, destroçando as economias e o Estado das nações mais pobres: Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha, Itália, amarrados a uma falsa "união comunitária" onde a moeda única permitiu que um Banco Central decidisse os destinos das suas economias empenhadas nos créditos financeiros que o beneficiam diretamente elevando os juros pagos pelas populações asfixiadas.

"É neste quadro de crise que se desencadeia uma brutal ofensiva dos potentados internacionais e das classes dominantes retrógradas contra as liberdades e os direitos fundamentais, a soberania e a autodeterminação dos povos e nações”.

"Sob esta ofensiva, nem mesmo o direito internacional e as próprias instituições criadas para assegurar o exercício de relações internacionais equilibradas e baseadas no multilateralismo e em normas consensuais, subsistem como tais, pois que acabaram sendo instrumentalizadas pelos interesses unilaterais de potências hegemônicas que exercem seu domínio por meio de políticas de força." (cit. Anterior)

A ação imperialista resultante da evolução do sistema capitalista que se mantém em bases predatórias tanto das riquezas naturais do planeta como da força de trabalho da humanidade, visa exclusivamente o poder para obter os maiores lucros além dos saques perpretados com as invasões periódicas contra os povos que lutam pela independência. Isto explica a autofágica ação contra as nações historicamente independentes da Europa.

O uso que ainda fazem dos vocábulos democráticos e de solidariedade, ou dos direitos humanos e de Estado Social, é para enganar os que ainda alimentam esperanças de que os que se consideram "polícias do Mundo" respeitam a ética e a vida humana. A eleição estrondosa de Obama contou com esta máscara de decência que se esfarelou no discurso violento e ameaçador ao receber o prêmio Nobel da Paz. Não são pessoas normais, são mercenários e assassinam a humanidade sem qualquer sentimento, com os olhos fixos no lucro e no poder.

terça-feira, 9 de abril de 2013

O subdesenvolvimento na Europa



O terceiro homem mais rico de Portugal, Belmiro de Azevedo, declarou com o desplante da sua classe que "as manifestações populares (que se multiplicam em Portugal) são carnavais com alegria que protestam contra o desemprego e o corte salarial, não são inocentes e recebem o apoio de transporte dado pelos seus promotores. As empresas precisam de mão de obra barata tanto para a agricultura como para outros setores da economia e o país deve honrar os seus compromissos pagando as dívidas".  


Outros ricos resolveram formar um grupo de "indignados" por sofrerem cortes nas suas polpudas aposentadorias de dezenas de milhares de euros mensais (quando a maioria dos aposentados recebem menos de 300 euros), como um clube, longe das manifestações de rua.

Repetem o comportamento da nobreza que, na França do século 18, estreou a guilhotina com o raciocínio de Maria Antonieta ao recomendar que "o povo que reclama a falta de pão, que coma bolos". Apenas comprovam que a elite desconhece sempre a realidade que está à sua volta e vive alienada da sua função de cidadania e de ser humano. São inúteis para a humanidade assim como para o desenvolvimento nacional, e consomem sem proveito social o que falta para a sobrevivência da maioria dos que trabalham.

A ação imperialista praticada sempre no Terceiro Mundo, mantendo as nações subdesenvolvidas (abandonadas às suas condições econômicas nativas e dependentes) ou promovidas à categoria de "em desenvolvimento" (com a implantação das instituições financeiras, jurídicas e militares filiadas ao modelo do centro mundial do sistema), na fase da globalização estendeu-se ao continente europeu onde a União Europeia aparece como o segundo polo depois dos Estados Unidos. Os países mais pobres (Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda e Itália) são os subdesenvolvidos e, portanto, foram condenados à "austeridade" para não saírem desta condição de dependência que já vinha do tempo em que, mesmo tendo colônias, pagavam tributos de comercialização e créditos financeiros ao "núcleo duro" do sistema que se definiu como capitalista, a Inglaterra, França e Alemanha.

A crise iniciada em 2008 funcionou como o desvendar desta realidade de subdesenvolvimento econômico e social na Europa, de países pobres dependentes de outros ricos, onde a história das lutas populares havia promovido um desenvolvimento uniforme das estruturas institucionais em todos os Estados que asseguravam os direitos sociais e uma legislação laboral conquistada pelos trabalhadores. Por outras palavras, a UE estabeleceu a "unidade" das nações europeias criando um Banco Central que polarizou a crise financeira, deixou claro o subdesenvolvimento daquelas nações pobres sempre despojadas da sua independência pela dominação do capital estrangeiro nas empresas produtivas nacionais e na formação profissional para atender as tendências de mercado (e da opinião pública através do controle da mídia). 

São duas as formas de unificação de nações de uma mesma região, ideologicamente opostas: a dos povos ligados pela mesma história de exploração e luta libertadora do ser humano e de suas nações, ou a das estruturas de poder (financeiro, militar e econômico) dos Estados subordinados ao sistema capitalista acima das nacionalidades. Esta contradição fundamental tem sido escamoteada sob o manto de um conceito abstrato e ideal de "democracia" que conserva as questões sociais e econômicas do coletivo secundárias ao mercado financeiro globalizado.

As últimas grandes crises do sistema encontram no agravamento da exploração imperialista (conduzido no sentido da austeridade miserabilizante e as guerras invasoras que destroem as estruturas nacionais) o único caminho para manter o poder financeiro que se expande como uma ameba por todo o planeta. A lógica do capitalismo não sobrevive ao desenvolvimento de um equilíbrio democrático que naturalmente depende do respeito pelo ser humano e seus direitos básicos de vida em desenvolvimento e pela condição de cidadania que a estrutura institucional deve apoiar.

O continente europeu manteve o equilíbrio social e econômico desde o século 16 com o recurso às expansões coloniais e os fluxos migratórios. Os países mais ricos, que se beneficiaram com a Revolução Industrial seguida da consolidação de uma estrutura financeira, reduziram a emigração que sangrava os países atingindo as camadas camponesas e os setores sociais mais carentes até o final do século 19, mas as nações europeias mais pobres mantiveram o sangramento populacional ao mesmo tempo em que as suas riquezas naturais e de investimento também escoavam ao invés de serem aplicadas no próprio desenvolvimento.

Hoje, endividadas, são acusadas de má gestão. O ponto de vista tornado global é o do modelo imperialista que apenas avalia a produção de lucros financeiros que cresce na estrutura bancária. O resto (os povos, a história, o sistema de exploração que alimenta uma elite dominante, os conceitos de "justiça" e de " democracia") constituem a paisagem.

Apesar da estrutura de Estado semelhante à dos países ricos, dotada de redes de agências para atendimento à saúde pública, ao ensino obrigatório, à segurança social, de estradas que cortam os territórios para escoamento de mercadorias provenientes das sociedades mais desenvolvidas, de portos modernizados e equipamento hoteleiro para atender ao turismo internacional, da adoção do euro como moeda única que inflacionou os preços do mercado interno mas não os salários dos trabalhadores, a população vê as suas carências aumentarem sem os recursos elementares da sobrevivência.

Os orçamentos para o Estado impõem cortes que invalidam o funcionamento das instituições sociais e provocam o desemprego crescente de uma classe média que não pode recorrer ao trabalho informal, camponês ou artesanal, que foi excluído pelo modelo da UE. O próprio governo estimula a emigração que para as nações europeias mais ricas terminou há mais de um século.

A situação de subdesenvolvimento na Europa equipara-se à do Terceiro Mundo e a fuga será para os ditos "países em desenvolvimento", porque a UE zela por uma legislação que restrinja a afluência de imigrantes sem formação especializada necessária ao mercado.