segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

FMI ultrapassa a Troika com a velha ambição


 


O atual governo de Portugal, "mais europeu que a União Europeia", escolheu dentro da Troika (formada pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI) a força imperial do FMI ao contratar este último, exclusivamente, para apresentar um Relatório sobre a realidade portuguesa e orientações imediatas para superar a crise. 

Por Zillah Branco*, para o Vermelho


De uma estocada desprezou o conhecimento dos especialistas portugueses nas instituições nacionais, a própria Troika e a participação democrática na governança determinada pela Carta Magna do país.

O secretário de Estado, Carlos Moedas, (nome adequado à prioridade política das medidas financeiras pelo governo) fez a apresentação das medidas que agravam o processo de austeridade que empobrece a população e todo o sistema de produção nacional, pegando de surpresa todos os portugueses que não têm acesso às intenções do núcleo duro do governo. Foi um ato de causar inveja a Salazar e outros ditadores. E o primeiro-ministro já deu por iniciada a fase "pós-troika" atrelado ao FMI e decidido a contrapor "razões de mercado" às do Estado democrático.

O FMI não surpreendeu nem por cozinhar um relatório com dados errados e fora de época, nem por conduzir com as suas recomendações ao empobrecimento da população e à destruição da estrutura empresarial da indústria, agrícola, piscatória, de comércio e serviços do país, para fortalecer o sistema bancário e de seguros que não têm nada de patriótico. Conseguiu que os juros aumentassem para o capital estrangeiro se banquetear com a ruína portuguesa e logo choveram ofertas de empréstimos aos bancos que se associam às obras de infraestrutura (estradas, pontes, energia etc.) onde recolhem parte dos impostos que todos pagam para viver no país. 

Quem conhece a história do Terceiro Mundo e a dilapidação causada pelo FMI que fez da década de 1980 na América Latina, África e Ásia em luta pelo desenvolvimento nacional a "década perdida" marcada por epidemias e fome, além de guerras insufladas externamente, sabe que os empréstimos feitos por especuladores são um vírus devastador das economias e da independência dos países.

E quem conhece o comportamento imperial que utilizou a seu favor as duas grandes guerras - desenvolvendo a sua indústria e conhecimento científico com capitais dos que abandonaram os países europeus em risco, alcançou enormes lucros com a venda de material bélico e de transporte, para aparecer com a imagem militar vitoriosa nos atos finais das batalhas - sabe a pressa com que o FMI age para se apresentar sozinho como o salvador dos que naufragam nas crises que engendra.


Diante do desvendar do golpe encaminhado pelo FMI os socialistas portugueses denunciaram em linguagem de esquerda a ameaça contra o Estado social e o povo de Portugal, abrindo caminho para uma nova eleição que lhes seja favorável. O presidente do Parlamento Europeu, também socialista, veio a Lisboa dar a sua opinião negativa ao Relatório do FMI, o que fortaleceu até a "inteligência" de conservadores e direitistas históricos que se aliaram na defesa patriótica de uma política a favor do Estado Social e da produção nacional.

Com esses esclarecimentos sobre a intenção ideológica do governo / FMI, de confrontar a nação democrática com o mercado financeiro, as teses dos partidos de esquerda, (o Partido Comunista, o Bloco de Esquerda e os Verdes), e do Movimento Sindical para que as dívidas sejam reavaliadas sem imposições nem benefícios para os agiotas e de que o fundamental em um programa econômico a ser aplicado pelo Estado social é ter na base a concertação social e o conhecimento objetivo da situação de Portugal "que não pode ser trazida por economistas visitantes", como disse o responsável pelo Tribunal de Contas. . 

Em entrevista à mídia, dia 16 de janeiro, a referência à necessidade de diálogo com os sindicatos de trabalhadores foi defendida pelo setor patronal representado por representantes de associações de empresas industriais, agrícolas e do comércio e serviços, que afirmaram a impossibilidade de sobreviverem as empresas e continuarem a melhorar a gestão e a modernização das estruturas com a população sacrificada como o governo quer. Propuseram como solução a revisão do serviço da dívida com prazos alargados "como eram propostos anteriormente (de até 40 anos) pela União Europeia quando deu início ao processo de unificação continental". 

Esta posição tem sido diariamente defendida por autoridades do Estado do setor judicial, os bastonários da Ordem dos Advogados e da Ordem dos Médicos, os policiais, os militares, a Igreja Católica, os sindicatos da Função Pública, dos Estivadores, dos Professores, os Músicos, os Bombeiros, os Estudantes, os Reformados e Pensionistas, os Deficientes, a CGTP e a UGT como se todos agora se tenham tornado de esquerda. Os Banqueiros, que alcançam lucros fabulosos, são os únicos a apoiarem o governo do FMI.

Zillah Branco é socióloga, militante comunista e colaboradora do Vermelho 


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Estado Social "de vocação democrática"


O conceito de Estado Social surgiu na Europa para conter a vocação neoliberal de fazer o Estado (que, como disse Lenin, era um instrumento de domínio da classe dominante) não apenas um gerenciador das atividades econômicas, mas também da existência de toda a população.

Por Zillah Branco*

No final do século 19, da proposição de Bismark "de reservar uma parcela dos benefícios auferidos pelas atividades produtivas e conquistados pela ciência para socorrer caridosamente os mais pobres", criou-se um sistema de segurança social para assegurar a sobrevivência popular, nos moldes do que as Igrejas faziam como caridade, caracterizando os Estados Providência nos países mais desenvolvidos.

No bojo das duas grandes guerras e concomitante com a revolução socialista que levantara a bandeira da democracia num mundo moderno que tudo fazia para esquecer os princípios das revoluções francesa e americana, manteve-se a contradição entre a caridade exercida pelo Estado e a solidariedade institucionalizada para todo o povo. Não se tratava de uma questão semântica, mas ideológica, baseada na afirmação de que a riqueza é produzida pelo trabalho do ser humano e a terra e os produtos naturais do subsolo fazem parte do patrimônio nacional. Estes conceitos, que constituem a base do sistema socialista, formam também princípios cristãos incorporados pela Igreja Católica através das Encíclicas Papais e são matéria de identidade com outras religiões.

Portugal, na Revolução de Abril em 1974, levantou a bandeira do Estado Social que abriu numerosos caminhos para construir instituições com a participação popular de modo a responder às necessidades reais de cada setor da sociedade - na reforma agrária com a criação de empregos e de cursos de formação profissional através dos quais eram introduzidas novas tecnologias e aperfeiçoamento de sementes e cruzamentos de raças bovinas, ovinas e outras; nas Unidades Coletivas de Produção a formação para as funções administrativas, técnicas de manutenção das máquinas agrícolas, contabilidade e gestão, recorrendo ao apoio voluntário de profissionais especializados, construção de creches e formação de educadoras, organização de Centros de Dia para acolher e alimentar os idosos e preparação de pessoal auxiliar para Centro de Saúde; organização de pequenos e médios agricultores e formação de cooperativas de produção e de comercialização; a eleição de autarquias pelas populações de cada concelho do país com conhecimento das realidades específicas da região, os constantes debates sobre as condições de ensino e as características da pedagogia aplicada nas escolas, assim como no desempenho do sistema de saúde pública e da segurança social, permitiram alterar o funcionamento do Estado Social com a introdução de conceitos democráticos para a superação da velha estrutura adaptada ao regime ditatorial há meio século.

A dinâmica democrática trazida como uma lufada de ar puro pela Revolução dos Cravos abriu caminho para a transformação do Estado Ditatorial, que satisfazia a uma elite poderosa, num Estado Social regulado por normas e leis inspiradas nas conquistas democráticas recomendadas pelos organismos da ONU e aplicados nas instituições democráticas dos países mais desenvolvidos. Os debates públicos com a participação de todos os setores sociais de Portugal levaram à produção de um texto da Carta Magna com características das mais avançadas das Nações ocidentais.

Mesmo com a formação de governos neoliberais sob a pressão internacional regida pela nascente CEE com o apoio dos Estados Unidos, as conquistas democráticas que foram legisladas nos primeiros meses de 1975 quando o brigadeiro Vasco Gonçalves foi primeiro ministro, permaneceram como pontos de referência e de apoio aos democratas que seguiram resistindo às injustiças trazidas com a teoria do Estado Mínimo que sobrepõe as condições de desenvolvimento do mercado às da população portuguesa, destruindo o Estado Social.

O que se verifica agora sob o comando da Troika, é que o Governo de Portugal e o presidente da República estão mais preocupados com a imagem do país no exterior, principalmente no mercado externo, de que com a salvação da economia e da população diante da crise financeira. Esta foi a razão alegada por Cavaco Silva para aprovar o Orçamento "apesar das dúvidas que mantém quanto à justiça na distribuição dos rendimentos" e constatar que a economia do país está numa espiral de declínio que exige solução imediata. Caberá ao Tribunal Constitucional defender os interesses da população mais pobre que sofre o peso da austeridade imposta pela Troika, já que nem o Governo e nem o Presidente o fazem.

A oposição ao governo é de todos os partidos que não o integram e alastra-se por personalidades intelectuais e políticas pertencentes aos partidos do próprio Governo. Já não se percebe qual a força política que impede a substituição de um governo desacreditado até pelos expoentes do PSD do qual faz parte. O presidente da República deixou claro que reprova o programa para 2013, mas não tem coragem de convocar nova eleição com medo de que a oposição de esquerda vença.

O medo impede que se ponha um fim nos desmandos dos governantes que estão preocupados em arranjar crédito internacional (a ser pago com a austeridade que sacrifica toda a população) para cobrir as dívidas de particulares com os bancos privados. É uma situação vergonhosa de espoliação nacional por um grupo de fantoches comandados pelo FMI casado com a União Europeia.

Neste contexto a ideia de Estado Social começa a ganhar peso nas declarações de setores que antes não se uniam: partidos de esquerda, socialistas, igrejas, representantes do judiciário, estudantes, professores. Aos poucos são superados os interesses imediatistas de expressão eleitoral e combate ideológico, para se constituir uma profunda aliança de caráter patriótico e humanista para defender a independência e autonomia da nação.

* Zillah Branco é socióloga, militante comunista e colaboradora do Vermelho

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