sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Confronto entre dois mundos

Confronto entre duas visões de mundo,

uma ingênua e outra perversa


O belíssimo discurso feito pelo Presidente do Uruguai - José Mujica -no Congresso da ONU em New. York em 2013, levantou uma questão que sempre dividiu a humanidade: entre exploradores e explorados, que os estudos da História e da Antropologia investigaram, com riqueza de análises, nos acontecimentos que cercaram os "Descobrimentos" no século XVI.

Sem reduzir as observações às questões meramente econômicas da apropriação pela força e o poder, do produto do trabalho individual ou coletivo, impõe-se hoje a partir das informações científicas já registadas pelos investigadores de todas as universidades mundiais, refletir sobre as formas de imposição de objetivos práticos, mesquinhos e criminosos, pelos que ocupam posição de domínio político sobre a humanidade que deles depende para desenvolver as suas capacidades humanas de vida, ou seja, do desenvolvimento físico, mental e material da população planetária.

Darcy Ribeiro, no livro "O Povo Brasileiro" (Companhia das Letras 1995, SP/Brasil), relata com maestria a confiança com que os indígenas receberam os "descobridores europeus",  com a curiosidade ingênua e respeitosa de quem admira pessoas que agem com segurança e força devidas a formas de conhecimento diferentes das suas. Dentro das suas crenças míticas identificaram os homens brancos, com roupas e armas desconhecidas, como capazes de lhes ensinar a aperfeiçoar a vida, como os deuses ou os "mais velhos" faziam. A ingenuidade revela a confiança que a humanidade em sua pureza natural sempre tem, antes de conhecer a maldade e o egoísmo que fazem do visitante um inimigo. Corresponde ao sentimento de uma criança ou de quem viveu protegido pela solidariedade em sua comunidade isolada.

O autor refere as surpresas crescentes que despertaram o medo e o ódio dos indígenas, destruindo a ingenuidade e, portanto, a confiança naqueles seres que pretenderam escraviza-los, usa-los como objetos de uso pessoal, forma-los para que aceitassem sem contestação o novo modelo de crenças e de vida. Através do ensino praticado sob a forma de catequese e superação da condição de "selvagens", como era entendida a simplicidade natural, os "descobridores" acreditaram trazer a "civilização para aqueles seres inferiores" ao mesmo tempo em que recolhiam os lucros que enriqueciam primeiro os seus reis e senhores e depois a eles próprios que passavam de servidores a patrões e donos de escravos, como se fossem pequenos reis.

A preparação profissional estava entrelaçada com a criação de hábitos de vida e, sobretudo, de crenças que baniam as tradições tribais e introduziam um novo Deus que condenava como pecados os conceitos ancestrais de vida dos ancestrais ainda ligados à natureza. Assim, além de destruir a cultura daqueles povos, culpavam os seus "mais velhos" pelos males existentes que agora eram revelados na subordinação a que eram forçados. Modernamente poderíamos dizer que os indígenas foram "formatados" pelos novos ocupantes das suas terras. Isto no século XVI, com o peso da Idade Média obscurantista, na formação do Terceiro Mundo.


Que disse ao mundo o Presidente Mujica, do Uruguai, nos Estados Unidos em 2013, cinco séculos depois do povoamento "civilizado" no Terceiro Mundo?

"Sacrificamos os velhos deuses imateriais e ocupamo o templo com o Deus Mercado. Ele
Organiza a nossa economia, a Política, os hábitos, a vida e até nos financia com quotas e cartões, a aparência de felicidade. Parece que nascemos apenas para consumir e consumir, e se não o podemos, carregamos com a frustração, a pobreza e a auto-exclusão.

O certo, hoje, é que para gastar e enterrar detritos, a chamada mancha de carbono pela ciência, diz que se a humanidade inteira quiser viver como um norte-americano médio, seriam necessários três Planetas. Quer dizer: nossa civilização criou um desafío mentiroso e, tal como vamos, não é possível para que todos atinjam este “sentido da vida” que se impõe como cultura na nossa época dirigida pela acumulação e o Mercado. Prometemos uma vida de desperdícios e esbanjamentos que constitui uma conta regressiva contra la natureza, e contra a humanidade como futuro. Civilização contra a simplicidade, contra la sobriedade, contra todos os ciclos naturais, mas o pior, civilização contra la liberdade que supõe tempo para viver as relações humanas, amor, amizade, aventura, solidariedade, família. Civilização contra o tempo livre que não se paga e pode gozar esquadrinhando a natureza. Arrasamos as selvas verdadeiras, e implantamos selvas anónimas de cimento. Enfrentamos o descanso com caminhadas, a insónia com pastilhas, a solidão com electrónica…. E somos felizes alienados do eterno humano? Aturdidos, fugimos da nossa biologia  que defende a vida pela própria vida como causa superior e a suplantamos pelo consumismo funcional e a acumulação. La política, eterna mãe do acontecer humano, ficou acorrentada à economia e ao Mercado."

Os povos latino-americanos aprenderam os usos e costumes dos europeus e mais, formaram-se como cientistas e profissionais em todas as matérias aplicadas ao desenvolvimento do sistema capitalista que define as bases do atual modelo global das sociedades. "Descobriram" a Europa e o resto do mundo, aprenderam que uma elite rica e poderosa governa o mundo e escraviza todos os trabalhadores nos países capitalistas impondo-lhes sacrifícios e misérias para que prolonguem a sua dependência e continuem a enriquecer o poder imperial, ameaçando com invasões e bombardeios os povos que lutam pela sua libertação, espionando como qualquer bandido os governos democráticos que conseguem desenvolver a consciência de cidadania dos seus povos.

A verdade relatada por Pepe Mujica, presidente do Uruguai, é dura e parece ser permanente, já que prolonga os efeitos nocivos da ignorância medieval por séculos. A História, no entanto, mostra que as transformações mundiais são lentas, com avanços e retrocessos, mas inexorável com o acumular de conhecimentos e a abertura democrática do acesso à informação e ao combate aos preconceitos que nega a igualdade de capacidade intelectual e de direitos entre todos os seres humanos.

Existe ainda a confiança e a aparente ingenuidade nos seres humanos que têm ideais e crêem nos valores éticos da humanidade. Não fosse assim, a ambição dos que detêm o poder teria produzido uma população desesperada e enlouquecida que hoje dominaria com crimes e violência todo o planeta. Caminha-se neste sentido e o terrorismo inspirado na ação autoritária e criminosa da elite imperial espalha-se por todos os continentes. A gravidade de tal situação, nos nossos dias, tem despertado a consciência em muita gente que estava alienada à sombra da elite.

O perigo é visível, mas as manifestações dos que lutam pela Paz e por uma vida mais justa para os povos, têm vencido a inércia dos que se acomodaram com as ilusões do consumismo e de um Deus Mercado criado para destruir a capacidade filosófica dos seres humanos. A democracia é um valor que penetra nas mentes ativas, permitindo que não exista o medo de pensar e dar opiniões baseadas nos princípios que a humanidade elaborou a partir da sensibilidade e do conhecimento adquirido em contato com a realidade natural e social.

Zillah Branco


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