sexta-feira, 12 de outubro de 2012


Contradições geridas pelo Governo e pelas organizações de massa


Vivemos um momento de aproximação política em torno de um conceito de democracia que tem sido salutar no combate aos preconceitos, sobretudo raciais, contra as mulheres, os idosos, as crianças, os homossexuais e os portadores de necessidades físicas. Somam-se as vozes de professores de economia e política, que sempre defenderam o sistema capitalista, afirmando ser a democracia, a única saída para a crise. Agora citam Marx como autor de um método de análise insuperável apesar de continuarem anti-comunistas como sempre foram. Substituem a referência ao proletariado, para considerarem o cidadão e não o trabalhador. É uma formula social-democrata que abre caminho para alianças sem  supor a luta de classes.

O Brasil tem investido exemplarmente na formação de uma nova consciência de cidadania comprometida com a defesa intransigente de direitos iguais na inclusão social. Tanto os programas de ação política emanados do Governo, como as ações concretas organizadas pela participação popular e militante que se multiplicam na base formando cursos para jovens nas favelas, cooperativas de artesãos rurais, micro-empresas nas periferias das grandes cidades, grupos de músicos ou esporte para atraírem meninos de rua para uma função social, e tantas outras formas de organização que levam os brasileiros antes marginalizados a fazerem parte do povo com consciência dos seus direitos de cidadão, convergem no sentido da inserção nacional e do desenvolvimento.

Governo e movimentos de base, no Brasil, são dois pólos com o mesmo objetivo, ambos sabendo que a distribuição de renda ainda favorece uma elite que acumula riquezas, defende a propriedade privada e os seus negócios voltados para o lucro, a competição com os seus pares nacionais ou estrangeiros e controlam o sistema financeiro aliados aos seus parceiros multinacionais. Ambos sabem que o sistema é capitalista, subordinado ao grande capital, e que há um grande caminho a ser feito com alianças para superar a miséria e o atraso que em cinco séculos negou a cidadania à maioria dos brasileiros.

A partir de um movimento militante, de várias tendências políticas, essas ideias humanistas, de levar a democracia à prática em todos os momentos da vida social, foram  produzindo os melhores agentes formadores que encontraram nas organizações de comunidades e municípios, onde existiram condições democráticas mesmo durante a ditadura e sob governos que ignoraram as necessidades populares de desenvolvimento, condições para semearem o caminho que foi adotado pelo Governo brasileiro desde 2002. Hoje, através dos programas televisivos NBR, Escola e Saúde, Senado, Câmara e Justiça, qualquer pessoa pode reconhecer que o atendimento social no Brasil está sendo trabalhado a partir de princípios democráticos que humanizam a prestação dos serviços públicos em todo o território brasileiro, enfrentando a enorme diversidade geográfica e cultural que caracteriza as populações locais.

A implantação desta nova tendência histórica, democrática, depende do compromisso de todas as forças sociais que, naturalmente, apresentam pontos de vista diferentes devido aos seus interesses sociais e políticos específicos. Coincide com o despertar de vários  grandes empresários para os riscos de destruição da natureza e das populações que fornecem ou consomem os seus produtos, anulando o mítico poder do "mercado livre". A crise do sistema clarificou para muito empresários que as multinacionais devoram os parceiros mais fracos e que a sua produção depende dos trabalhadores preparados e alimentados e de populações com poder aquisitivo para dinamizarem o consumo. Um Estado com instituições organizadas, que vence a miséria do seu povo e defende a independência e autonomia da Nação, é um esteio para a sua consolidação e a única defesa contra os abusos imperialistas. Descobrem que a cidadania cerra fileiras e que o nacionalismo fortalece os laços patrióticos em todo o território brasileiro. A conjunção dos valores humanistas, cidadãos, ecológicos, uniu os brasileiros ricos e pobres que têm em mira a produção e o trabalho para garantir a independência.

Orgulhosos do seu espírito realista e prático, os empresários de sucesso, sem aceitar a ideologia que considera em primeiro plano a sobrevivência e o desenvolvimento do ser humano, recomendam ao Governo (como fez Jorge Gerdau, grande proprietário de empresas siderúrgicas) aperfeiçoar a gestão dos serviços públicos e a educação da população tendo em vista o aumento da produtividade que concorre com os demais países. O seu apoio e as recomendações que faz para que o Brasil tenha uma governança competente, são de grande valia apesar de circunscrever o seu ponto de vista aos objetivos empresariais da produção econômica. O seu êxito empresarial ensina métodos úteis "para fazer mais com menos" , como disse.

O mesmo fenômeno - de utilizar um conceito importante para a evolução social como uma forma de degrau para aperfeiçoar o sistema capitalista, ou como máscara populista quando há ambição eleitoral - ocorre com a apregoada defesa da natureza que hoje se expande mundialmente. Há empresários que honestamente percebem a importância da economia sustentada cujos interesses estão ligados indissoluvelmente com a sobrevivência do planeta, enquanto que outros não se inibem de usar a propaganda enganosa de produtos que recebem um atestado falso de "ecológico".

Nos Estados Unidos surgiu uma séria denúncia contra o "green washing", divulgada por Bret Malley que integra um conjunto de profissionais ligados ao setor da comunicação, que tem feito um trabalho de denúncia dos crimes políticos cometidos dentro do sistema no seu pais. A TV globonews, com a vela que acende a Deus, acaba de divulgar ("Cidades e Soluções" 03/09/12) a denúncia feita por Malley e as analises que já são feitas no Brasil apontando as empresas que se dizem falsamente "verdes" e são fiscalizadas pelo CONAR que classifica a fraude como "propaganda enganosa". Assim, separam, entre os empresários, os que realmente defendem o planeta dos que cuidam apenas dos seus bolsos.

Governança e gestão têm diferentes responsabilidades

O uso dos conceitos, tanto de valor democrático como de ecológico, merece ser aprofundado para distinguir os que têm a intenção da fraude (como mostra Malley em entrevistas com empresários que compram falsos certificados para tornar "verdes" os seus produtos nocivos), dos que acreditam honestamente nas qualidades anunciadas. No caso da democracia não é possível uma análise física comprovativa da inadequação do método proposto para a sua viabilização quando a intenção é enganar. As divergências são demonstradas com recurso a informações históricas complexas e controversas, fundamentadas ideologicamente.

Este conhecimento, da organização do trabalho e da gestão de recursos, recomendado por Gerdau, faz parte da cultura dos povos, sobretudo na vida rural e comunitária tradicional, sem o que os seres humanos não teriam sobrevivido com as tremendas carências que sempre os cercou. A vida urbana e o poder dos mercados, de trabalho e de consumo, apresentados paternalísticamente como generosidade das elites, é que diluiu esta percepção dos indivíduos que esperam que as estruturas, empresariais e do Estado, assegurem a sua formação e a organização da sua vida. Na vida doméstica e mesmo nas brincadeiras das crianças a disciplina da organização e a gestão dos recursos é essencial para a sua continuidade.

Ao nível de políticas sociais sob um regime democrático, a organização e gestão familiar ou empresarial combatem as angústias geradas pelo consumismo, ensinam o caminho da reciclagem e da poupança para a criação de novos meios de produção e da investigação que anima a criatividade. Tais ensinamentos deverão estar no conteúdo de todos os níveis da educação escolar e cidadã.

Um empresário que não reduz o seu pensamento à busca apenas do lucro, que "tem uma  utopia", como afirmou Gerdau no Forum de Políticas Públicas organizado pelo Governo Dilma, tem o ponto de vista de uma elite, necessariamente conservador do seu status, mas mantendo "uma inconformidade que promove o desenvolvimento". Será parceiro de programas democráticos eficientes que beneficiem a formação de profissionais que têm por meta a excelência na produção.

Mas, gestão empresarial, por mais democrática que seja, não é equivalente à da governação nacional. O conceito de democracia não se reduz à busca da eficiência do trabalho, há outras preocupações de um Governo que ultrapassam a meta do desenvolvimento econômico, principalmente em um país que sofreu atrasos no seu desenvolvimento por mais de quinhentos anos de exploração por forças externas, colonialistas e imperialistas. Tem objetivos militantes que apontam um ideal a ser construído.

Os empresários não incluem nas suas preocupações com a educação a solução de problemas comuns a uma família que sobrevive com salário mínimo ou pouco mais, carências alimentares, de roupas adequadas, de condições de habitação, de acesso a tratamentos médicos, à formação cultural, ao lazer, ao respeito social por uma elite egoísta e exploradora que usa os mais pobres como escravos. E todos estes problemas e muitos mais, terão de ser resolvidos ao mesmo tempo em que se organiza o Estado com capacidade de gestão e consciência de cidadania. Os que defendem um sistema democrático, tendo pontos de vista diferentes, conforme as condições em que vivem e os objetivos imediatos das suas tarefas produtivas, deixam de perceber as contradições que o enunciado vago do conceito de democracia, assim como de ecológico, encerra.

Os programas de educação de base desvendam contradições ainda existentes nas políticas públicas do Governo que precisam ser discutidas na sociedade democrática. Assim é o estímulo ao consumismo popular, com a oferta de créditos facilitados e redução de impostos para escoar os produtos comercializados (por exemplo a venda de carros e da linha branca de eletrodomésticos em 2012), que o próprio Ministério da Fazenda lançou. Os pedagogos e psicólogos vêm o consumismo como uma forma de vício derivado de ansiedade patológica que merece tratamento médico-social para que o indivíduo não perca o seu auto-controle pondo em risco a gestão dos seus recursos e o sacrifício de escolhas mais importantes para a sua vida. Este é apenas um dos muitos exemplos de contradição.

As contradições em todos os serviços públicos institucionalizados estão sendo apontadas pelos movimentos sociais e os estudiosos das matérias específicas, para que sejam encontradas soluções que não recaiam sobre as camadas mais pobres da população. No âmbito judicial são reconhecidas as contradições entre leis (cuja vigência é as torna negativas hoje) que nasceram em outros contextos históricos, quando não existia a exigência da democracia apresentada pela sociedade. Em todos os níveis do sistema judicial assistimos ao permanente debate fundamentado no texto da Constituição de 1988 considerado o mais avançado em defesa da cidadania e da democracia.

No setor da Saúde são debatidas as recomendações médicas que confrontam bloqueios sociais presos aos preconceitos culturais ou às pressões internacionais da indústria de medicamentos. A Previdência Nacional carrega ainda leis absolutamente injustas (como a do "fator previdenciário") que penaliza na aposentadoria os trabalhadores que trabalharam algum tempo em outros países) determinadas por Governos anteriores que retiraram abusivamente aos idosos os recursos que destinavam a outros fins.

O papel dos movimentos sociais

As editoras e todo o sistema midiático procuram mostrar que nesta fase em que todos precisam de um sistema democrático, por um passe de mágica tornamo-nos irmãos, não há luta de classes, a classe média absorveu a antiga pobreza. As poderosas contradições desaparecem sob o título da cidadania brasileira que canta as mesmas músicas e luta pelo desenvolvimento nacional. Mas a realidade no dia a dia divide os interesses mais profundos, a distribuição de renda é absurdamente injusta, a propriedade privada determina a importância social de cada cidadão e a capacidade de acumular riquezas, e os cidadãos "de sorte" defendem com unhas e dentes o seu poder na sociedade (tal como antes, quando era a burguesia e o proletariado). Mudam-se os nomes, mas a realidade nua e crua quem conhece é o povo e as suas organizações de luta: os sindicatos, as associações de mulheres, de etnias, de deficientes físicos, de trabalhadores sem terra, de moradores sem teto, de estudantes, de profissionais, de desempregados, de pequenos camponeses, de artesãos, de todos os setores que são prejudicados pela ganância dos ricos organizados como elite.

Com as repetidas crises mundiais do sistema capitalista e a queda da União Soviética -  que chegou a constituir uma potência socialista e serviu de suporte a um formidável movimento internacional pela democracia -, hoje predominam as teorias econômicas que procuram equilibrar a eficiência empresarial do capitalismo com as conquistas sociais do socialismo adotadas pela ideologia social democrata. No interessante livro "O Universo Neoliberal em Desencanto", de J.Carlos de Assis e Francisco A. Dória, é referida a importância do método de Marx - a dialética - seu método, explica que a marcha da história é uma sucessão progressiva de conflitos e sínteses no mundo real, refletida no mundo das ideias, algo tão certo quanto o mundo que se desenrola diante de nós". O autor não adota a ideologia de Marx e diz: "mesmo depois de anos e décadas em que gastei quilos de papel e de saliva criticando o imperialismo norte-americano" hoje recomendo aos formuladores de políticas: "alinhem-se, pelo menos quanto ao aspecto fiscal, à política norte-americana comandada pela ala progressista do Partido Democrata contra a Europa".

Diverge da meta comunista apontada por Marx, e implantada por Lenin no sistema de produção socialista que sobreviveu por 80 anos tornando-se uma potência mundial que fez face ao poder imperialista mundial enquanto deu apoio a todos os movimentos democráticos (contra preconceitos e no respeito pela igualdade racial, de mulheres, de classe social, e as lutas pela independência nos países dominados pelo colonialismo). O autor defende uma forma de capitalismo (ainda utópica) "uma política econômica sob o comando da cidadania ampliada, é fundamental para o progresso econômico justo e a paz social".

Diante do caos planetário anunciado pelos defensores da natureza e da falência visível do sistema financeiro nos países mais ricos (cujos Governos oscilam entre as tendências social democrata e a de direita), e ao som dos bombardeios sobre uma série de nações árabes apoiados pelos responsáveis mundiais pelo sistema capitalista, cabe aos povos refletir sobre as metas mais seguras para toda a população, a iluminarem as decisões concretas a serem tomadas, eliminando necessariamente as contradições objetivas que constituem obstáculos ao processo de desenvolvimento democrático das sociedades. Defender o êxito da produção, dentro do princípio democrático universal, implica em criar simultaneamente condições sociais igualitárias para os trabalhadores e suas famílias sobreviverem formando-se profissionalmente e exercendo a sua cidadania.

O olhar da elite, à qual Gerdau reconhece pertencer, idealiza a condição de vida do trabalhador ou é míope devido à distância em que se situa em relação à realidade nacional. Investir na formação dos trabalhadores brasileiros obriga a criar condições de vida para ser efetivamente um gesto de solidariedade, base da democracia, e não apenas uma operação empresarial de modernização dos meios de produção.

As organizações de massa não podem ficar à espera dos projetos nacionais elaborados ou financiados pela elite financeira. Devem apresentar os seus, fundamentados pelo conhecimento da realidade concreta e com a responsabilidade que exigem ao Governo para alcançar as condições de viabilidade e de equilíbrio face as necessidades nacionais de produção, trabalho, formação, desenvolvimento. Como diz Manuel Carvalho da Silva ex-dirigente da CGTP-Intersindical em Portugal e hoje professor universitário e investigador na área de Sociologia e Ciências da Educação, " os sindicatos têm novos desafios, sobretudo ligados ao tempo de trabalho, aos salários, à segurança e estabilidade, e à contratação coletiva"... que "foi o instrumento de trabalho mais útil e eficaz na distribuição da riqueza na segunda metade do século XX e hoje está a ser posta em causa". Podemos pensar que, em um área específica do trabalho rural, a reforme agrária, também impõem-se desafios como aos sindicatos, relativos ao trabalho, e mais: à organização da produção tendo em vista o mercado nacional e internacional, como base do seu projeto que reivindica terras disponíveis que o Estado pode destinar à produção necessária ao país.
                       
Zillah Branco


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