sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Alianças políticas pela dignidade nacional


A história das instituições no Brasil carrega um peso de quase 500 anos de irresponsabilidade e oportunismo das elites dirigentes. Esta marca transformou-se em cultura generalizada na sociedade, de modo a deixar elites com a certeza de que podem cometer qualquer infração, mesmo crime, com a garantia da impunidade, e os cidadãos trabalhadores com o hábito de aceitar qualquer forma de domínio e exploração que seja exercida pela elite. Esse fatalismo cultural convive, ainda hoje, com o desenvolvimento de uma consciência de cidadania que só existe ligada à luta permanente pela dignidade (individual e nacional) e pela democracia real.

Devido a estas diferenças conceituais, o senso comum, a lógica dos que falam e pensam democraticamente, considera uma elementar falta de respeito explicitar e exigir a um representante do povo ou aos altos funcionários das instituições públicas e privadas, que garantam que a sua atuação será honesta, digna, responsável, e leal aos princípios éticos que estão registrados constitucionalmente. Como vivemos em processo de desenvolvimento, saindo de condições de colonialismo e dominação imperialista, este senso comum deve ser alertado para a compreensão de que o que é óbvio para um cidadão democrata, pode não ser para um remanescente da formação elitista herdada do antigo poder oligárquico.
Por exemplo, quando falamos em aliança política, esperamos que exista um ponto comum a unir pessoas diferentes que se traduza no mesmo entendimento de ética. Se não for assim, aliança seria o mesmo que uma relação de compra e venda sem referência a princípios éticos, o que é a negação da responsabilidade política e social que invalida qualquer instituição.

O grande salto político introduzido por Lula no Governo do Brasil foi o da necessidade e possibilidade de alianças políticas entre Partidos e representantes de diferentes ideologias que contêm aspectos antagônicos na formulação do sistema de poder na sociedade mas que tenham um mesmo objetivo em relação ao desenvolvimento do país. Com a eleição de alguém que representa fielmente o povo trabalhador brasileiro, impondo a sua diferença pessoal relativamente ao padrão exigido pela elite tradicional, e trazendo consigo a exigência da ética e da democracia que sempre estiveram embrulhadas na fraseologia demagógica dos políticos, começaram a surgir novos aderentes à mudança profunda que a sociedade exigia. Empresários bem sucedidos, políticos de peso, opositores partidários, muita boa gente que estava aculturado pela oligarquia, despertou para a revolução ética semeada com a quebra do velho padrão do poder na gestão da vida nacional.

O processo naturalmente foi difícil e tortuoso. Como se tratava de uma limpeza, muita gente se vestiu de faxineiro para dar a vassourada antes de recebê-la. Foi a época das denúncias espertas, dos mensalões, dos processos por fraude, abuso de poder, desvio do dinheiro público, toda uma gama de banditismos que deixou a população mais ingênua assustada com a realidade dos desmandos que a elite mantinha sob o manto da responsabilidade instituicional. Foi um forte abanão no coqueiro que derrubou coco maduro e verde, além de algum coletor distraído. Os mais espertos resolveram impedir que o processo institucional avançasse reduzindo-o a alguns nomes escolhidos para a berlinda que, habitualmente, oferecia saída pela porta da impunidade controlada pela velha elite. Mas o cerne do governo Lula resistiu defendendo acima das cabeças que rolaram o impulso a favor da ética como base do sistema de poder.

O dia-a-dia da política nacional divulgado pela midia passou a registrar cenas de degola política alternadas com as do crime organizado e mais os acidentes de uma sociedade secularmente desorganizada. Aparentemente um caos, mas dentro dele, as limpezas institucionais foram sendo percebidas pelo povo trabalhador e muita gente boa que deixou a oposição e somou o seu voto no apoio de 80% com que os eleitores se despediram de Lula no segundo mandato, abraçando Dilma e fazendo dela Presidente do Brasil.

O processo continuou no interior das instituições como na consciência dos cidadãos. E na gestão de Dilma assiste-se ao segundo grande passo na dignificação das instituições. A extinção dos maus hábitos que apodrecem as elites é comandada em uníssono pelo Governo, pelo Judiciário, pela Polícia Federal. A midia precisou deixar o tédio da sua lista de acidentes que com fatalismo atribui ao atraso brasileiro, e lançar apostas no jogo das alianças responsabilizando os Partidos da base aliada pelos casos pessoais de má conduta administrativa que condenam ministros, diretores de grandes empresas, secretários de confiança nas instituições do Estado. Como se o Governo tivesse a sua estrutura amarrada por laços de um mercado livre que usa a corrupção como moeda corrente, apostam na cedência da Presidente ou no comprometimento dos partidos com os crimes denunciados.

O segundo passo na consolidação do processo de dignificação do país, conduzido pela Presidente Dilma, é a unificação dos aliados em torno dos mesmos princípios éticos que os identifica e os mesmos objetivos democráticos que os move. Com as denúncias relativas à corrupção nos ministérios do Transporte e, depois, o da Agricultura, a midia promoveu uma torcida organizada pelo rompimento das alianças com os Partidos, mas houve maturidade política bastante para que os aliados se unissem contra a praga da corrupção no país. Caíram os ministros que não souberam evitá-la nos seus territórios.

As intrigas palacianas articuladas nos cafezinhos da mídia não garantem o êxito dos programas medíocres, o brasileiro não tem tempo para novelas de baixa categoria e aprendeu a ver na sua comunidade, no seu bairro, nas instituições que contata, que há sinais de uma transformação positiva. Será benéfico à midia descobrir que as fofocas não têm mais prestígio que as análises sérias com fatos verdadeiros que atrai o grande
público.

As transformações são lentas para atender a todos os 190 milhões de cidadãos com as suas múltiplas carências, mas cada um deixa o egoísmo de lado e olha para os lados mais frágeis da sociedade que hoje são atendidos, são procurados na imensidão do território, recebem as sementes da integração nacional por meio de um investimento em infra-estrutura, do ensino e do serviço médico implantados, da energia e fornecimento de água instalados, da comercialização dos produtos locais que geram empregos. A sociedade amadurece e ultrapassa a cultura da subserviência e do medo que a obrigava a aceitar com fatalismo o domínio de uma elite criminosa sempre impune.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Foco mundial de corrupção nos EUA

10/08/2011

A nação norte-americana guardou, da história pioneira do seu povo, o “título de pátria da democracia” e a “estátua da liberdade” no seu porto de entrada. 

Alguns dos seus grandes escritores – como Haward Fast e Irving Stone, traduzidos no Brasil – revelaram desde a década de 1930 a sua preocupação com o tipo de sociedade que se formava a partir de uma elite dominante oportunista, sem escrúpulos, que abandonava os velhos princípios de cidadania e de integridade individual, além dos conceitos de responsabilidade social e honra patriótica, para defender a sua desmedida e egoísta ambição de lucro pessoal.

Os que leram aqueles autores sofreram solidariamente com os valorosos norte-americanos que recordavam o exemplo dos antepassados pioneiros que construíram com sacrifício os primeiros acampamentos em uma terra desconhecida para onde fugiram das perseguições religiosas e da falta de condições de trabalho na velha Inglaterra. Lembravam o heroísmo de alguns na Guerra de Independência que livrou a nova nação do jugo colonial imposto pela Europa, e os primeiros profissionais juristas, engenheiros ou médicos, que sem títulos universitários adquiriram auto-formação para lançar as melhores sementes da jovem pátria democrática e moderna.

Lamentavelmente os valorosos norte-americanos foram vencidos pela elite que usou como arma cultural a sua esperteza de bandidos sem lei e sem escrúpulos e liquidou os indígenas, escravizou os africanos, humilhou os homens e mulheres brancos que pretenderam manter a dignidade humana acima do lucro material e do poder das armas assassinas. Em pleno século 21 a crise do sistema capitalista global desvenda a triste realidade do “império norte-americano dirigido por uma elite, verdadeira corja de bandidos inescrupulosos, que faz guerras de conquista em países menos desenvolvidos para roubar-lhes as riquezas naturais e impedir a concorrência comercial, utiliza instituições internacionais – Otan, Banco Mundial, FMI – para falsear um apoio mundial às suas invasões, chacinas, sequestros, destruição de economias em desenvolvimento, e despreza o próprio povo norte-americano com medidas financeiras que tanto servem para corromper os mais fracos como para empobrecer os que confiam no Estado que foi transformado em instrumento de poder privado da gangue elitista”.

O que eu afirmo aqui, muitos intelectuais norte-americanos têm divulgado em livros – como por exemplo o Premio Nobel de Economia Joseph Stiglitz e outros – e em filmes – como “Trabalho Interno” de Charles Ferguson ou “Captalismo: uma história de amor” de Michel More. Nasce um grupo de bons profissionais que põem em risco a própria condição e mesmo a vida para se tornarem militantes do conceito honesto de pátria democrática e de povo livre no combate à degenerescência do sistema de poder que usurpou o comando dos Estados Unidos transformando-o em arma imperialista. As adesões se multiplicam em todo o mundo a esta militância saneadora do sistema capitalista. Acreditou-se que Obama teria capacidade de liderar esta transformação dentro do Governo dos Estados Unidos, mas ele não teve coragem para tal heroísmo, empalideceu e fez um discurso imperialista ao receber o Prêmio Nobel da Paz, assumindo o papel de traidor da humanidade militante da paz, da dignidade humana e do desenvolvimento independente das nações.
Traduzindo a linguagem financeira

O livro de Stiglitz “O mundo em queda livre – os Estados Unidos, o mercado livre e o naufrágio da economia mundial /Companhia das Letras, 2010” explica com clareza popular as fraudes cometidas sistematicamente pelos bancos e instituições financeiras (com conivência de Banco Centrais e governantes) com o jogo dos empréstimos, transações de hipotecas, venda de produtos financeiros que são reconhecidas, por eles próprios, como lixo tóxico. As consequências comprovadas nos Estados Unidos é o empobrecimento de uma classe média que investe as suas economias na compra de habitações, e, comprovadas nos países em desenvolvimento que empobrecem ao seguirem as receitas fraudadas do FMI e do Banco Mundial para cortarem as despesas sociais para compensar os erros dos bancos na gestão da riqueza nacional. Um caso de polícia - se o Estado fosse o instrumento de desenvolvimento nacional e dos cidadãos.

Internacionalmente os EU prosseguem a velha política colonialista, agora modernizada com o modelo imperialista, invadindo os países pobres para destruir a sua economia e promover conflitos internos - os países da Ásia que há 190 anos produzia 60% do PIB mundial e hoje não passa de 18%, a África com as suas populações a morrerem de fome, o Afganistão e o Iraque destruídos, os bombardeios contra o povo Líbio, a América Latina que só agora liberta-se do cerco imperial e entra no caminho da independência elegendo governos populares que fortalecem o seu desenvolvimento. Um caso de revolução, se os povos recusarem a submissão ao comando das elites poderosas.

Stiglitz, defensor do sistema capitalista condena o modelo capitalista dos Estados Unidos e explica como válida a oposição histórica dos defensores do socialismo contra o sistema capitalista. Não se trata de discutir aqui as razões ideológicas que fundamentam os que militam por melhores condições de vida no planeta inspirados na meta do socialismo, mas sim de reconhecer onde estão os usurpadores de um poder nacional e internacional. Exige-se que, necessariamente, o sistema válido deverá corresponder aos valores éticos, democráticos, de respeito humano, sem preconceitos, sem discriminações. Diante de uma visão humanista apenas, o modelo capitalista norte-americano corresponde à hipocrisia de uma elite sem dignidade que sacrifica a vida da humanidade como fazem os criminosos que ambicionam o maior poder.

Quando nos Estados Unidos um juiz pergunta ao banqueiro “se ele vendeu lixo tóxico ao seu cliente como se fosse uma forma para enriquecimento mas que o levou a uma falência prevista, e ele responde que sim”, toda a sociedade fica enlameada pela aceitação sem punição da convivência com tal bandido. Pior ainda quando o Governo perdoa e concede um resgate para restaurar o poder do ladrão. É um ato de vandalismo com a riqueza nacional, com as instituições de justiça e de todo o Estado, e um assalto aos direitos dos cidadãos. Um crime imperdoável que mancha a história do país e fica como mau exemplo cultural para toda a humanidade.

Quando o Governo dos Estados Unidos confessa que desencadeou a guerra contra o Iraque porque acreditou na falsa informação de que aquele país preparava-se para uma guerra biológica, ocultando a verdadeira causa que era a ambição do controle da produção de petróleo, a sociedade planetária sente que não foi capaz de impedir mais um grande crime contra a humanidade por ter confiado em um Governo que mente para o seu povo e para o mundo inteiro, e mancha a história global com a sua perversidade execrável que deve ser banida.

As teorias sobre o mercado livre, que apregoam a desregulamentação da economia e a privatização das empresas fundamentais de uma sociedade independente, para reduzir a capacidade de um Estado dos cidadãos de manter a justiça social e garantir o desenvolvimento de toda a população e permitir que uma elite irresponsável e criminosa trace o rumo nacional, serviram de máscara intelectual para deformar a cultura globalizada. A função das instituições criadas ao longo da história humana – do Estado para organizar a sociedade e garantir os direitos iguais da população e dos Bancos criados para fazer depósitos financeiros, facilitar transações e propiciar empréstimos de acordo com as estratégias de desenvolvimento traçadas pelos governos democráticos – estas funções foram desvirtuadas pelas elites que usurparam o poder democrático e passaram a servir como instrumento de poder privado que enriquece com a miséria dos povos e com a escravização dos trabalhadores.

Traduzindo a confusão que os economistas (que ainda confundem economia com finanças) apregoam pela midia e até nas escolas universitárias, enquanto um pouco por todo o mundo cresce a exigência dos povos pela transformação do Estado (que sempre foi instrumento de dominação da elite) em Estado Cidadão, portanto democrático, nos Estados Unidos a democracia é poesia e ficção e o poder é comandado explicitamente pela elite dominante que prioriza os seus interesses e a maior ganância por lucros que já se viu no planeta. Em nome desta sede de poder e riqueza inventam métodos de espoliar o seu próprio povo com mentiras refinadas pela esperteza financeira que corrompe os políticos, os professores, e quem quiser vender a alma por um prêmio em dólares, e lutam no parlamento para que os ricos não paguem impostos enquanto os pobres apertam mais os cintos. O conceito de cidadania não existe naquela sociedade desigual e desumana. Como se não bastasse o sacrifício de milhos de famílias norte-americanas que perdem os seus empregos, as suas casas, o nível de vida de classe média já conquistado, a elite imperial comanda invasões de países que defendem a sua independência, mata e oprime povos que lutam pelo próprio desenvolvimento.

O erro está no modelo ou no sistema?
Stiglitz preocupa-se em assegurar que “o modelo capitalista norte-americano “tem uma forma licenciosa de ação”, exerce “o fundamentalismo do mercado”, a “falta de controle”, “é falho” e “fracassou”. Ele acredita que todos esses erros “minaram a credibilidade no sistema capitalista e na democracia”, mas que poderiam ser corrigidos.

Ao mesmo tempo, o autor chama a atenção para o “modelo chinês” que tem investido em vários países da África na construção de infra-estruturas que “promove o desenvolvimento com a abertura de novas estradas que ligam cidades antes isoladas, criando uma nova geografia económica, propiciando o crescimento económico, como o comércio, o desenvolvimento de recursos, a criação de empresas e a agricultura”. Dessa forma, “a China investiu mais que a soma dos recursos aplicados pelo Banco Mundial e o Banco Africano juntos”.

Stiglitz reconhece que tais fatos permitem aos que condenam o capitalismo como um “ sistema que beneficia a elite em prejuízo do povo em geral”, que defendam com bons e comprovados argumentos dados pela realidade histórica, o sistema socialista.

Pessoalmente penso, como dizem os chineses, que o “modelo ocidental de capitalismo não deu certo, e que a revolução comunista na China ensinou a administrar com equilíbrio o desenvolvimento gradual do país de modo a extinguir a miséria de 400 milhões de pessoas, criar infra-estruturas que asseguram o desenvolvimento geral nacional, introduzindo sistemas de educação, saúde, esporte e cultura de primeiro mundo e levando uma nação que saiu da condição feudal para competir e vencer os países capitalistas que enriqueceram com o colonialismo e o imperialismo.

A história dos Estados Unidos demonstra que, apesar do grande esforço dos bons norte-americanos e inclusive de Presidentes como Roosevelt combaterem os malefícios do sistema capitalista – monopólios, corrupção, mentiras políticas, escravidão, opressão sobre outros povos, chacinas como as causadas pela bomba atómica, e tantos outros crimes contra a humanidade dentro e fora do país, - o sistema capitalista é dirigido por uma elite mais forte que o Governo. O mandato de Obama comprova este fato e o assassinato de Kennedy e de Lincoln registraram esta verdade.

O mundo globalizado, com esta crise do sistema capitalista e com a vitória da estratégia socialista de investir no desenvolvimento de toda a sociedade e não apenas no crescimento da riqueza monopolizada pelas elites, abre um novo caminho onde os preconceitos não têm lugar e as mentiras históricas são crimes contra a humanidade. Será necessário falar e escrever com clareza para que a população que mergulha a vida na realidade possa contribuir com a sua sabedoria e para que as elites que têm privilégios culturais não utilizem falsas teorias para dar crédito, como esmola, enganando a iludida classe média que pretende evoluir por si sem a solidariedade com todo o povo e a regulação institucional fiscalizada pelo Estado.


* Publicado no Vermelho

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A Era da Mentira



Este título é o do livro publicado recentemente pelo egípcio Elbaradei, conhecido diplomata e consultor jurídico na AIEA – Agência Internacional da Energia Atômica -, organismo das Nações Unidas criado com base no conceito de “´Átomos Pela Paz” sugerido por Eisenhower em 1953 quando disse: “Se existe um perigo no mundo, é um perigo partilhado por todos; e, da mesma forma… se existe esperança na mente de uma nação deveria ser partilhada por todos.”

Em 1970 foi elaborado o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares subscrito por 189 países até 2010 com a triste ausência de Israel, Paquistão e India e da desistência da Coreia do Norte que em 1994 assinou um Quadro Acordado apenas com os Estados Unidos.

Ao contrário dos objetivos com que a Agência foi criada, e do uso da diplomacia nuclear que traduzia um compromisso entre os signatários para promover a cooperação tecnológica para o uso da energia nuclear para fins pacíficos e para evitar o crescimento das armas nucleares, após a queda da URSS, cujo poder equilibrava o dos Estados Unidos, cresceu a instabilidade mundial com a proliferação de novas iniciativas de produção nuclear, a AIEA passou a ser pressionada pelos Estados Unidos a denunciar as emergentes ambições nucleares como motivos para serem desencadeadas invasões militares. Os serviços secretos ocidentais foram infiltrados na UNISCOM, - nova Comissão Especial das Nações Unidas que subsidiava diretamente o Conselho de Segurança - e na própria AIEA com a entrada de novos técnicos, o que propiciou o surgimento de falsas informações sobre a preparação de armas biológicas no Iraque logo utilizadas pelos Governos dos Estados Unidos e do Reino Unido como pretexto para desencadear a Guerra do Golfo.

Elbaradei revela grande preocupação em respeitar a cultura e as religiões do povo iraquiano e critica duramente o comportamento tipo cowboy adotado por técnicos norte-americanos das Agências. O mesmo não ocorre ao analisar o trabalho feito pela AEIA na Coreia do Norte em 1992, referindo com sobranceria a falta de conforto em aviões, carros e hotéis, visivelmente pobres e o poder do “Grande Lider” presente em todas os encontros oficiais. Mas em ambos os casos, mostra com riqueza de referências factuais a manipulação imposta pelo governo norte-americano sobre os trabalhos técnicos das agências, inclusive citando frases de Condoleezza Rice que declarou: “a Carta da ONU é baseada no papel primordial e na responsabilidade dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança. Como sabe, a segurança dos Estados Unidos está ameaçada e, portanto, somos livres de tomar quaisquer medidas que consideremos necessárias para proteger a nossa segurança”. Baradei comenta: “Dei por mim grato por ela ter parado antes de dizer que a ONU é o Conselho de Segurança, e o Conselho de Segurança são os Estados Unidos”. A referência que faz ao Vice-Presidente Dick Chenney é breve e conclusiva: “Ele estava sentado atrás da sua secretária, e não perdeu tempo com conversa de circunstância. Tinha uma mensagem direta e simples para transmitir: “Os Estados Unidos estão preparados para trabalhar com os inspetores das Nações Unidas, mas também estão prontos para desacreditar os inspetores, com vista a desarmar o Iraque”.

É difícil para um cidadão comum imaginar a prepotência e a falta de respeito que um técnico do mais elevado nível internacional, se vê obrigado a suportar de políticos grosseiros que falam em nome do imperialismo. O nome e prestígio institucional parecem contar mais que a dignidade humana que é o grande valor de quem não tem riquezas materiais. E esta é a distância que separa os povos em luta pela afirmação nacional e os direitos democráticos dos poderosos imperiais. Talvez Baradei tenha chegado a esta conclusão ao juntar-se ao seu povo, no Egito, no início de 2011 para derrubar o regime autoritário de Mubarak.

É interessante notar que “a era da mentira” foi instaurada pelo imperialismo quando o socialismo foi implodido na União Soviética. E o nível dos governantes norte-americanos baixou vergonhosamente desrespeitando em primeiro lugar o seu próprio povo e a história da pátria que, lamentavelmente, representa perante o mundo. Isto explica a farsa da campanha de Obama construída com os maiores recursos técnicos e científicos da publicidade para iludir os democratas de todo o planeta, mas sobretudo o jovem senador negro (e os que o apoiaram) que acreditou que um Presidente norte-americano estará acima das forças imperiais. Talvez ele também, descubra que a dignidade de cidadão vale mais que a figura institucional que o império esvaziou e enlameou sem qualquer respeito humano ou patriótico.

E as mentiras continuam, para abrir caminho às guerras. Agora é contra a Líbia e, para distrair a comunidade internacional que estava preocupada com a chacina provocada no norte da África, apresentam a grande cena do assassinato de Bin Laden com requintes de terrorismo nunca vistos. Para não terem em mãos um líder, matam-no mesmo desarmado. Para não ficarem com um cadáver comprometedor, atiram-no no mar. Que mar encontraram no Paquistão ou no Afganistão? Mentiras, de todo o tipo.
                                                          

 (publicado no Vermelho, 2011)